XADREZ MEMÓRIA

Xadrez de memórias, histórias e (es)tórias, de canteiro, de sussurro, de muito poucos...

11/08/09

Cavaleiros, Cavalos... Eduardo Monteiro

Não o quis publicar antes de aparecer no "site" do GXP, onde deveria aparecer em primeiro lugar. É um texto notável, de um grande Grupo Xadrezista que muito deu ao Clube como jogador e dirigente., o Engº Eduardo Monteiro.Agora demonstra os seus belíssimos dotes de escrita com um a história fantástica, surpreendente como é a História do Grupo de Xadrez do Porto, e sobretudo de um grande amor ao Xadrez.
Sempre me surpreendeu o porquê de no GXP, determinadas peças terem cavalos de metal, pesadíssimos e que faziam um barulho medonho nas mãos pouco graciosas de alguns jogadores mais emotivos do nosso Clube. Agora percebo! Mas há um mistério que nem o Eduardo Monteiro conseguiu resolver: Existem dois tipos de cavalo de metal no GXP. Um mais aparentado às peças "Jaques" de origem inglesa, outro enorme, alto, muito parecido com cavalos de peças russas do início do século. Porque teria o Sr. Oliveira feito dois tipos de cavalos? Onde foi buscar o molde para os realizar? Realmente o que teria levado alguém a roubar os cavalos de jogos de peças?! Seria o "tal" que os alimentava, ou algum sócio com um espírito encarnado de Chigorin? Aí vai o belíssimo texto do Engº Eduardo Monteiro, com as fotos dos cavalos referidos no mesmo, mais o tal de estilo "Chigoriniano". Por última uma foto deliciosa com uma equipa de luxo do GXP, campeã Nacional da 2ª Divisão, onde aparece o autor deste delicioso texto(o último da direita), bem como o Bernardino Passos, O Jaime Gilbert e o João Andersen.

Cavaleiros , cavalos, livro, pinha e parafusos


No final da década de cinquenta ou início dos anos sessenta, era possível observar um equídeo castanho , luxuosamente brilhante, montado por Cavaleiro vestido com facto nobre, onde nem faltava o apropriado chapéu .


O cavalo num passo bailado levantava geometricamente as patas fazendo a minha delícia de adolescência. Era vulgar vê-lo em Stª Catarina ou na avenida dos Aliados no meio do transito, então muito mais denso que hoje mercê do baixíssimo custo da gasolina .


Por interessante casualidade, nesse tempo faltaram quatro cavalos num jogo do Grupo!!!!!

Alguém os teria levado, logicamente não por lhe fazerem falta no seu jogo domestico…

Seria por influência psicológica deste cavaleiro que orgulhosamente se troteava nas principais ruas da cidade do Porto?



Seja pelo que for, nunca soubemos do destino dos cavalos e duvido que se tenham adaptado a uma nova vida separada dos Bispos e das Torres. Mas, quem sou eu para julgar a amizade dos cavalos pelos bispos?

A falta dos cavalos foi resolvida. Luis Oliveira, senhor dos seus quarenta e tantos anos, de estatura frágil e usando um bigodinho graciosamente aparado, propôs-se completar o jogo sacrilegamente mutilado.

Fez uns cavalos exactamente iguais aos faltosos mas, e isto é muito importante, sem utilizar madeira!

Os novos cavalos eram de liga metálica pretos e brancos. Hoje estão exibidos numa prateleira do Grupo !!! São pesados e brilhantes como o cavalo do misterioso Cavaleiro da cidade.

Os cavalos do senhor Oliveira, pelo seu peso, motivavam que os sócios só pegassem nesse jogo quando todos os outros estivessem ao serviço.

Logicamente, a recusa era feita procurando não ferir a boa intencionalidade do Sr Oliveira.



Tempos depois o distinto Cavaleiro foi julgado no Tribunal dos Pequenos Delitos, com notícia bem divulgada no Jornal de Notícias…e acabaram, na cidade do Porto, em pleno século XX os passeios do século XIX.

O Senhor Oliveira também algum tempo depois mudava de cidade e nunca mais voltou. Suponho que foi para os lados de Leiria.

Antes, o Sr Oliveira havia emprestado a Bernardino Passos um livro de xadrez e este repetidas vezes prometia devolvê-lo…mas sempre se esquecia de o trazer!!

O Sr Oliveira, em certa ocasião, entendeu que era abusiva a atitude do Passos e falou-lhe em tom mais agressivo, dizendo que necessitava do livro para se preparar para um torneio. O argumento era pouco lógico porque não era esse livro que daria a força escaquista que faltava ao Sr Oliveira. O Passos ainda tentou responder, mas, educadamente saiu com passo apressado, nervosamente.

Talvez uma hora depois, entrou de novo no Grupo, com o mesmo passo apressado e nervosamente estendeu a mão com um livro e disse :

--Aqui está o seu livro….

E completou o acto com umas palavras intensas de agressividade que nunca mais me esqueceram :

-- O SEU LIVRO NÃO ME ENSINOU NADA.


Quando o Presidente Kennedy foi assassinado,em Novembro de 1963, estava eu em Coimbra.

Tinha convencido os meus pais da verdade, que em Coimbra o 3º ano de engenharia era mais fácil.

Joguei muitas vezes xadrez no Convívio da Associação Académica e no convívio de colegas senti-me rei sentado no trono dos escaques.

Na Associação, informaram-me de um estudante que tinha 4 cavalos de xadrez e todos os dias os limpava e lhes dava aveia!!!

Os 4 Cavalos constituíam, por assim dizer, a razão de ser da sua vida.

É ele…, pensei para comigo mesmo, é ele o ladrão dos cavalos do Grupo.

Resolvi procurá-lo com desejos de vingança, qual pistoleiro do Far West eu tinha que meter duas balas no toutiço do ladrão de cavalos.

Rapidamente, porém, a minha moina foi dando voltas e acabei pensando filosoficamente, porque afinal, por intermédio do sr Oliveira, o Grupo já estava ressarcido:


Qual o motivo que faria um estudante dos últimos anos de Direito roubar cavalos para ter o trabalho de os lavar e limpar, pondo-lhes o brilho do cavalo que passeava nas ruas do Porto? Ainda mais… dar de comer a bichos de pau?!!!!

Não, para mim o rapaz não funcionava bem da pinha. Então, entendi que era importante analisar a sua psicologia. Quem sabe se eu, futuro engenheiro, não teria entre mãos uma nova teoria psiquiátrica?



Dirigi-me à REAL REPUBLICA DO BOTA ABAIXO para conhecer tão importante criatura que alegremente tratava cuidadosamente os cavalos furtados ao GRUPO.

Foi para mim uma enorme tristeza quando, à porta da REAL REPUBLICA , um habitante me informou que era de facto verdade, só que esse estudante tinha terminado o Curso e já não estava em Coimbra.

Subitamente, senti em mim a mágoa de ter perdido o rasto do ladrão que…se calhar…até não era o ladrão dos cavalos. Nesse momento, eu já era seu grande amigo…e de longa data.

Será que estas minhas metamorfoses mentais estão incluídas no pensamento de outro

ex-associado, dr João Andressen, a viver em Guimarães, segundo creio:

-- Só joga xadrez quem não tem os parafusos todos.





Cá por mim sou feliz por ser o maluquinho do xadrez, muito embora lamente que os meus anos estejam a atenuar-me a loucura.


O Passos faleceu prematuramente

na década de oitenta. Ele também era um maluquinho do xadrez, como, afinal, todos nós.



Ao Passos e a todos os já falecidos a minha sentida Homenagem.

(Eduardo Monteiro)


Jaime Gilbert; Bernardino Passos; João Andersen; Eduardo Monteiro